A primeira lembrança que a gente tem é do alpendre vermelho, com aqueles tapetes de fita de retalho que formam um xadrez colorido. Toda as casas eram meio parecidas, ninguém se sobressaia nisso. A gente nunca soube que aquele era um bairro de gente pobre. Não fazíamos diferencia entres as pessoas por esse critério.
Aos poucos, as casas foram sendo reformadas ampliadas, mas era só questão de ajustes para caber mais gente. Todo mundo ia se casando, tendo filhos e ficando por ali. Na nossa cabeça de criança, aquilo tudo era o mundo inteiro. Não tinha vontade de sair dali, nem de ter uma vida diferente. Quando a gente pensava no futuro, só imaginava como seria a experiência de fazer as mesmas coisas que nossos tios e pais faziam. Nossa vez de ir para matinê, nossa vez de trabalhar na loja de sapato da rua de trás, nossa vez de fazer faculdade no centro, de pegar ônibus à noite e ter a avó esperando perto da parada de ônibus para não chegarmos sozinhas no escuto.
Quem tinha o próprio negócio era dona de vendinha. Vendia botões, cartolinas, laranjinha ou chicletes (era o único produto que nos interessava no bar do Seu Galego). Talvez, ainda hoje muitos gente lá ainda encare o empreendedorismo como um complemento de renda ou uma forma de sobrevivência.
Onde a gente cresceu, não tinha necessidade de pensar em nada mais do que pagar as contas do mês. Lógico que tudo evoluiu. Não são mais pessoas leigas como éramos naquela época. Mas a cultura do trabalho fixo ainda é uma realidade, não só no nosso antigo bairro, mas para boa parte da população.
Quando a gente se lembra disso, a sensação é de nostalgia, de saudade da segurança que a gente sentia quando pensava nas opções para o futuro. A liberdade de escolha estava na inocência da brincadeira de rua imaginando ser dentista, costureira das roupas das Barbies, dona do verdurão, vendedora de roupa na feira da cidade.
Engraçado como, nos nossos sonhos de criança, a gente sempre foi empresária. Não é o que a gente esperava que acontecesse, mas era o que a gente idealizava como diversão. A gente achava que a pessoa que vendia algumas coisas era muito importante, porque ela tinha de sobra algo que a gente queria ter e não podia. Hoje, sendo um misto de empresária com recepcionistas, vendedoras, marqueteiras e contadoras da loja, temos a percepção de que a graça da brincadeira era ter tempo de qualidade. Nas brincadeiras não tinha relógio de ponto. A gente fazia o que queria e sempre era bem sucedida. Quem dera o caminho fosse tão curto.
Quem dera fosse só abrir as portas e as clientes chegariam em peso. Quem dera o fornecedor não pisasse na bola. Quem dera a burocracia e a mão pesada do Estado não deixasse o negócio tão caro. Quem dera não tivesse, todos os dias, a espada do medo do fracasso sobre nossas cabeças.
Algumas de nós nunca foi a uma matinê, nem teve a oportunidade de ter a avó esperando na parada de ônibus, mas a gente virou empresária. Agent virou dona da Loja Maria Terê, uma das melhores opções de alfaiataria Comfy de Brasília.
No próximo mês, a Maria Terê completará três anos. Uma professora, um psicóloga, uma jornalista e uma universitária. Somos também mães, donas de casa, donas de pet e lutamos para ser, pelo menos, frequentes na academia. E somos empresárias. Poderia ser em uma vendinha na rua de trás, mas nós saímos da nossa bolha.
As primeiras lembranças que a gente tem sobre a nossa vida é de leveza e simplicidade. De alguma forma, a gente consegue refletir isso no nosso negócio. Leveza, simplicidade e vontade de crescer.
E você? Qual é a primeira lembrança que você tem sobre sua vida? E qual é última lembrança leve que você tem sobre a forma como tem vivido?
Isso rende uma próxima conversa!
Marias Terês
